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sábado, 9 de março de 2013

[FEITO A MÃO] Batida e Som



Ficheiro:Violão.jpg
Dizem, às vezes, que a música é a mensagem da alma de cada pessoa que faz a melodia, quem canta, quem ouve e quem faz a letra.
A pequena Yasmim aprendeu isto com seu avô e decidiu seguir a carreira da música, apesar de seu pai e sua mãe quererem outro futuro.
Com seu violão, tentou reunir uma dupla, semelhante a que o seu avozinho querido participava, ao ouvir de uma competição.
Apesar de não agradá-la, bom, se acostumou.
Entretanto, algo...
Uma coisa desagradável aconteceu naquele dia.


Batida e Som



- Posso tocar como o senhor? – Fui até ele, sentado numa poltrona e tocando seu violão, enquanto eu erguia uma tigela com flocos de cereal e leite de soja.

Ele sempre tenta tocar como era durante a ditadura, quando estava numa banda Os Barrocos, mas os sons soavam estranhos como sentia dores de cabeça e ele pausava para sorrir quando recebia meus pequenos lanches. Passava a mão na minha cabeça agradecendo. 


- Você não pode tocar como ninguém, Yasmim. – Apontou com seu dedo meio enrugado, quando eu me sentei no carpete para tomar meu suco de goiaba. – As pessoas se inspiram, fazem cover e adaptam... mas nunca “tocam igual”.


Levantei a cabeça, curiosa. 


- Hum, - Olhei meus próprios joelhos, torcendo meu nariz em desagrado. – meus pais dizem que não levo jeito para isso. Falaram que iam comprar um violão quando eu tivesse meus quinze anos. – eu quebro coisas sem querer, acrescentei, olhando a um canto onde tinha um vaso de porcelana.


- Eu-moh-te-pen-per... – vô mastigava os flocos, mas se corrigiu, tossindo. Ri. – Eu vou te oferecer o meu.


Arregalei meus olhos antes de abrir meu maior sorriso surpreso. Levantei-me subitamente.


- Sério, vovô? – Não conseguia acreditar! – Quero dizer... – Passei a mão na nuca. – O senhor não vai usar ainda o violão? – Vô fez sinal para o esperasse terminar de comer.


- Eu vou usá-lo por mais um tempo, sim. – Ele confirmou, as partituras em cima da mesinha. – Mas para ensiná-la o básico de como tocar.


Fiz um ruído de euforia. Oba! Meu pai me levava para visitar seu consultório médico, enquanto mamãe bancava como cabeleireira. Eles achavam que definiam meu futuro. A verdade eu como médica: eu mal conseguia dissecar um sapo, imagine fazer uma cirurgia? Usava fones de ouvido para me distanciar desse mundo tão certinho.


E quando não os usava, somente ouvia aos tons das cordas dele. Ele era uma daquelas pessoas que não fazia muitas questões, que não se achava o inteligente e que me escutava. Contava-me piadas que me faziam sorrir.


Papai acha que seguir o caminho de músico deveria ser mantido com outra profissão. Mas eu não queria outra coisa.


Todos os dias, vô me trazia uma partitura para interpretá-la. Dizia a posição das notas musicais ou de intervalos. Pouco a pouco, naquele carpete, fui aprendendo a tocar umas músicas de Raul Seixas, dos The Bealtes... Também tocava na escola e meus colegas me sugeriam técnicas: acabei ficando amiga de alguns deles e jogávamos bola nos domingos. 


Por causa deles, descobri uma competição de música. Não fazia idéia do que fazer, então pedi ajuda. Um me disse para segui-lo, então peguei minha mochila surrada e a bolsa do violão. Quando chegamos ao ensaio da igreja, esperamos até acabar.


- Yas, conheça meu brother... – E deu um tapinha nas costas dum loiro. – Esse é Stefano e talvez vá ajudá-la.


Stefano franziu a testa.


- Nos conhecemos? – Perguntamos ao mesmo tempo. – Você é da minha escola...


Isso não era bom. Ele era o que mais me criticava. Achava que eu era uma inútil e que meus sonhos não me levariam a lugar nenhum. Planejava atirar nele com uma pistola de paintball.


- Então... você precisa da minha ajuda? – Sorriu orgulhoso.


Recolhi meus ombros. Se eu queria participar, tinha que contar com alguém... Treinamos, apesar dos contratempos. Quando reclamava sobre ele para meu vô, ele dizia que “nosso relacionamento era divertido”. O pior é que eu me acostumei ao nojentinho, mesmo que demorássemos para fazer uma música.


No dia, até que formos bem para quem tinha 13 anos. Bandas de rock, metal, pop rock, punk, duplas sertanejas competiram contra a gente... Não sei porque levamos o terceiro lugar quando eu terminei de tocar meu violão e Stefano cantou o último verso, mas me alegrei.


Peguei meu celular. Um “tum, tum, tum” demorado ressoava. Minutos depois, alguém atendeu.


- Quem fala? – Disse uma estranha.


- Oi! – Stefano suspirou. – Aqui é a Yasmim, neta do Cardoso, falando... Posso falar com ele?


- Hmm... – A moça fez, triste. – creio que não será possível, minha querida. – Meu sorriso se desabou. – Cardoso está indo para a sala de cirurgia para tratar de um AVC. Ele deixou o celular e a carteira dele no bolso, quando chamaram a ambulância... Teve uma convulsão... 

Prendi a respiração quando ouvi varias pessoas falando no fundo. Falavam “risco”, “cirurgia”, “cérebro” e “perda de muito sangue”. Meu braço em volta do prêmio se enfrouxou e perdi o equilíbrio. Stefano teve que me segurar por trás para não cair e notou as lágrimas do meu rosto. Ele as limpou com o dedo, antes que o carro do papai me buscasse. Stefano morava ali próximo e um irmão dele estava por lá...


Quando cheguei ao hospital, tudo doía. Meu coração se apertava. Queria gritar, mas o silencio da sala onde jazia meu vô irrompeu minha vontade. Havia panos em cima dele e um dos braços tinha soro. Respirava por aparelho. E eu via isso por uma janelinha de vidro. Queria entrar, mas papai disse que eu “não tinha permissão”.


Vi a luz vermelha em cima da porta.


Eu via alguns médicos de cabeça baixa. A freqüência dos batimentos cardíacos era alta, eu vi por um aparelho. Queria entrar e cantar alguma coisa. Dizer que eu havia conseguido. Que havíamos conseguido.


Entretanto, a última imagem que tive dele dormindo era um sorriso, um olhar para mim e o fechar de seus olhos quando o aparelho apitou meia hora depois.


Um último compasso, uma ultima canção. 


Murmurei “vovô” e papai me abraçou firme. Lágrimas saiam de seus olhos que sempre pareceram duros. Eu senti seu cheiro de perfume com sabão.


- Ah, ele me pediu uma entregar isto... – Ele me deu um papel.


Por favor, recolha suas lágrimas. Seu sorriso é precioso.


Li e enxuguei meus olhos. Eu a leria novamente, anos mais tarde, quando segurasse as mãos do meu noivo antes de soltar minha voz.

FIM


QUER PARTICIPAR DO FEITO A MÃO? TEM ESPAÇO PRA VOCÊ! ENVIE SEU CONTO PARA CONTATONRA@GMAIL.COM OU PUBLIQUE SEU DESENHO/POEMA NO NOSSO TUMBLR! QUEM SABE NA PRÓXIMA SEMANA NÃO É VOCÊ RECEBENDO OS COMENTÁRIOS?

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