[FEITO A MÃO] Virtualmente — Parte III (FINAL)

Olá!

O amor está na NRA...

E agora é a hora da Parte III de “Virtualmente”, a primeira minissérie do Blog NRA.

LEIA AQUI A PARTE I

LEIA AQUI A PARTE II

Sangue, amor, paixão, tripas e surras.

Anteriormente em “Virtualmente”... Liana começou a receber ligações de Júnior. Eron ficou esperando Liana no cinema e acabou na cama de Larissa Lins, que revelou que J.J. é um pedófilo.

Vamos ao que interessa!

 

PARTE III — CICATRIZES

1

Liana estava mesmo chorando no meu ombro? Aquela garota que me deixou plantado no cinema esperando hoje mais cedo? Nada disso importa agora. A gente se encontrou.

Tê-la em meu ombro era como ter a vida em suspenso. Por esses momentos é que vale a pena se viver, pois são eles que nos fazem ter certeza de quão terrível e bela é a vida.

Levantou a cabeça e me olhou, as bochechas molhadas de lágrimas.

— Eron, é tão difícil te conhecer desse jeito. De repente e numa delegacia. Desculpa não ter ido te encontrar ontem. Andréia não me deixou sair com medo de que você fosse um outro Jún...

— Eu sei, eu entendo. Calma, Liana, não chora mais. Um dia ele vai ser preso e esse pesadelo vai acabar.

— Quando?! — revoltou-se. — Quando esse maldito Júnior vai ser preso? Eron, faz cinco anos que eu espero.

Andréia veio abraça-la.

— Está tarde, Lia, foi um dia muito longo — começou a sorrir, tentando trazer algum resquício de leveza para a conversa. — Olha só, tu ainda tá usando o vestido que pôs pra encontrar esse menino — e apontou com o queixo para mim.

Admirei-a de cima a baixo.

— Linda Liana, teria sido um dia maravilhoso.

Ela sorriu tentando fingir que estávamos em outro lugar, e não em uma delegacia.

— Depois de amanhã, que tal? Vamos começar de novo, aqui na vida real — estendeu-me a mão. — Olá, eu sou a Liana Camargo — sorriu como um anjo.

— Muito prazer em conhecê-la — apertei-lhe a mão. — Eu que sou o Eron de Bulhões.

Ouvi Larissa comentar com Andréia:

— Obrigada.

— Pelo quê? — Andréia quis saber.

— Um dia eu te conto — riu-se.

2

Conversei pelo celular com o Eron várias vezes naquele domingo. Combinamos de apresentar Andréia e Lucas no dia seguinte.

Foi um encontro duplo bem bacana. Conversamos, contamos histórias, cada um entregou um pouco dos podres do amigo que trouxera.

Vocês vão morrer verdes, porque não vou delatar os três, nem a mim mesma.

Eron foi me dar um beijo na bochecha, mas, sem querer, me virei na hora e nossas bocas não queriam mais se soltar por uns quinze minutos.

Lucas e Andréia não foram tão diretos assim, mas nós dois queríamos unir nossos amigos sem eles saberem.

As semanas foram passando e a vida parecia voltar ao normal. A morte dos meus pais e avó estava ficando cada dia mais longe. Reaprendi a sorrir.

Um sorriso diferente, não se sorri do mesmo jeito após perder pessoas tão amadas por nós em um intervalo mínimo. Saber que amores tão grandes, incondicionais e conhecidos não estarão mais por aí quando precisarmos... é perturbador.

Porém, algo realmente perturbador foi quando Junior começou a me telefonar com certa regularidade. Um pouco antes do começo da Primavera de 2013, ele ligava sempre às 15h51.

Encontrei com Eron na redação do Rio Capital.

— Faltam cinco minutos para a ligação.

— Calma, Lia, esse safado vai ouvir poucas e boas e...

O celular tocou e a redação entrou em suspenso. Atendi.

— Júnior?

— Lilica minha — a voz fria e arrogante veio do outro lado —, só liguei para dizer que jamais vou me esquecer da gente. Um beijo — desligou.

— Alô? Alô! ALÔ! Merda! — taquei o celular longe e caiu em cima de um sofá a três metros. — Desligou o infeliz.

J.J. veio para ver o que acontecia. Magro, cabelos bem pretos e um pouco longos, roupas elegantes, olhos azuis. Esse homem se encantou por mim e não cansa de tentar me seduzir cada vez que nos encontramos, mesmo sabendo que estou quase namorando com o Eron.

— Liana Camargo embelezando nossa redação mais uma vez! — sua voz empostada preenchia o ambiente. — Já decidiu me dar uma chance? — riu.

— J.J., por favor, eu fico sem jeito com as suas interseções desnecessárias.

Ele fingiu surpresa.

— Oh, não fique, não fique — chegou mais perto e abaixou o tom. — Apenas aceite tomar um chá comigo qualquer dia desses. Pode ser em minha casa, se não for inconveniente. Sei fazer bolinhos ingleses e cupcakes que...

— Tudo bem — saiu um pouco mais alto do que o esperado —, a gente combina.

Alguns minutos depois, Larissa Lins e eu estávamos tomando um café no boteco da esquina.

— Liana, eu tenho uma missão que só você — apontou para mim — pode me ajudar.

Estudei a expressão Louis Lane desesperada dela.

— Depende. Explica melhor.

— Eron já deve ter te falado sobre minha suspeitas com o J.J...

— Pedófilo. Invadiu tua casa, roubou as provas e blá-blá-blá. Ele me contou. Por isso me enojo tanto na presença dele, Larissa.

— A missão é, se tu aceitar, ir até a casa dele e conseguir algumas provas. Primeiro vamos até...

Ela me explicou tudo, parecia planejado há meses, só esperando o momento certo. Cada mínimo detalhe, cada impossível imprevisto.

Mas havia um imprevisto para o qual ninguém estava preparado.

3

Fui com Larissa até a delegacia falar com o delegado Almeida.

— Larissa, Eron, vocês querem me convencer a investigar um homem tão respeitado como o editor-chefe do jornal Rio Capital? — ele perguntou, brandamente.

— Ela acabou de dizer que tinhas aprovas, mas o J.J. sumiu com...

— Junto com um monte de coisas sobre traficantes? E se foram os traficantes e não o J.J.?

— Delegado, com todo o respeito — Larissa ironizou —, é fácil demais colocar a culpa nos traficantes. Eles não sabiam, minhas fontes são seguras e confirmaram que os traficantes nunca souberam da reportagem que sumiu. Muito menos que tinha uma.

Ele mordeu o lábio, olhou para os lados e nos mirou.

— Quando eu tiver algum resultado, ligo para vocês.

Larissa ficou tão feliz que queria comemorar reativando nossa coisa de “amigos com benefícios”, mas logo percebeu que eu estava muito conectado à Liana e decidiu apenas tomar um chope.

Finalmente Liana e eu conseguimos fazer Andréia e Lucas se apaixonarem como se deve. Embarquei na onda das paixões primaveris.

— Liana, namora comigo — pedi e dei-lhe um beijão.

Ela disse o sim enquanto nos beijávamos.

A vida estava perfeita no meio de outubro: J.J. efetivou Lucas e eu no jornal, Liana era minha namorada e as reportagens estavam cada vez mais lidas e comentadas.

Foi aí que o delegado Almeida contou que J.J. apareceu do nada há quatro anos ninguém sabe de onde. Liana ia entrar na investigação.

4

Estava feito. Eu ligara para J.J. e marcara um chá na casa dele, na Urca, para o dia seguinte.

Eron tentou convencer Larissa e eu, com a ajuda de Andréia, de que essa sempre fora uma péssima ideia. Mesmo com a casa do editor-chefe do jornal Rio Capital cercada pela policia.

— Andréia, não adianta — Lucas dizia. — Ela está com essa ideia fixa. Liana, o que espera com isso?

— Lucas, se o J.J. for mesmo um pedófilo, como tenho certeza que é... Só não quero que outras meninas e meninos inocentes conheçam a vida do mesmo jeito que eu. Não mais.

Marquei na agenda:

1 de Novembro de 13. Sexta-feira.

16h30 — J.J. Possível risco de morte. Ou não.

Naquela noite era Dia das Bruxas. Com fantasias, nós quatro fizemos rodízio de guloseimas aqui em casa. Lá pelas 21h50, Lucas e Andréia foram para algum lugar e me deixaram sozinha com Eron. Ainda não tínhamos ficado assim.

Foi uma noite perfeita!

Mas de madrugada nós dois acordamos assustados, suando frio. Tivéramos o mesmo pesadelo: ele, eu, Andréia, Lucas e Larissa mortos aos pés de J.J.

— Acho que estamos endemoninhando demais o teu patrão — comentei.

5

De manha a vida seguiu normalmente.

Fui para o jornal, Lia para a faculdade de T.I.; Júnior ligou às 15h51 e ela me avisou que as ligações dele estavam ficando macabramente úteis.

— Troquei a hora do meu remédio da gastrite. Para alguma coisa tinha que servir, né? Vou até a delegacia e de lá para o chá.

Logo saí com Larissa e Lucas e todos nos encontramos na sala do delegado Almeida.

— Você usará esta escuta. Podemos ouvi-la e também falar contigo — Almeida dizia. — Fique calma, a casa estará cercada e, nós, do outro lado da rua.

Liana concordou e fomos embora.

Cada metro mais próximos da Urca, o pesadelo do Dia das Bruxas, na noite anterior, ficava mais e mais nítido: todos nós, mortos, aos pés de um J.J. maníaco e gargalhante.

6

Dei o beijo mais longo e demorado da vida em Eron, quando fui sair da van preta da polícia.

— Tudo vai dar certo.

— Eron, jamais prometa a nenhuma pessoa que ela nunca vai morrer. Todos vão... é nat... — segurei as lágrimas. — Natural, meu amor.

— Nós tivemos o mesmo sonho essa noite — ele sussurrou em meu ouvido.

— Pode ter certeza de que matarei J.J. antes de ele algum de vocês.

Saí andando e toquei a campainha antes que mais alguém me chamasse de volta. J.J. estava todo arrumado com um sorriso largo e hospitaleiro me convidando a entrar.

Quando peguei o copo de suco de abacate, notei que minhas unhas estavam grandes demais e com o esmalte quase saindo. Tomei um gole de suco.

— Não tem açúcar — comentei.

— Não tem mesmo. Não coloco açúcar em nada, meu anjo, mascara o sabor real das coisas. Eu não gosto de esconder.

— Por isso é jornalista — sorri. — Diga, J.J., onde...

— Pode me chamar de Jacó. É o que significa o primeiro jota.

Concordei com uma piscada.

— Jacó, que faculdade de jornalismo fez?

Pela cara, acho que pisei direto no calo dele.

— Nenhuma. Nasci com este dom. fiquei muito tempo num jornal do interior, então fui chamado para o Rio Capital.

Abaixei a cabeça, procurando ficar mais perto do microfone no colar e da câmera no broche.

— Um a zero.

— Vou até a vizinha pegar um pouco de açúcar. Não mexe em nada não.

— Oi?! — assustei-me, será que ele descobriu a trama de Larissa Lins? Eu sabia que nunca...

— Brincadeirinha, Lia. Pode futucar em tudo por aí.

Rimos e ele saiu.

— Onde vou primeiro? — perguntei para mim mesma. — Porão.

— Boa escolha.

Virei para todos os lados procurando a porta do porão. Só podia ser a portinhola abaixo da escadaria que vinha do segundo andar.

— Amor, toma coragem e vai logo. Ele está saindo do portão — a voz de Eron era rápida e segura.

Peguei meu celular com câmera de 11 megapixels, em HD, e desci as escadas escondidas. Quando acendi as luzes, tive a visão mais repulsiva da vida.

O lugar era um estúdio de gravação de filmes. Na parede, fotos de meninos e meninas entre sete e catorze anos, nus, violados, traumatizados para sempre.

Comecei a tirar fotos de tudo.

— Delegado, pode invadir quando ele entrar. Larissa Lins sempre teve razão.

Fiquei ali alguns minutos, que pareciam horas, tamanha era repulsa.

— Lilica!

Gelei ao ouvir aquela voz fria e tarada.

— Finalmente nos reencontramos! — ele exclamou, felicíssimo.

Virei-me lentamente e, finalmente, reconheci Júnior. Apontou para a cama.

— Vamos comemorar?

7

— Como ele entrou lá? Ninguém viu?

— Calma, Eron — Lucas me abraçou. — Irmão, estávamos hipnotizados pelas cenas dantescas e não vigiamos.

Tantos policiais e ninguém vira Júnior entrar?

A menos que...

— Liana — falei no microfone, empurrando o delegado para o lado. — Tira o celular da frente do broche.

Ela abaixou a mão e nós levamos um susto.

— Se fosse nos Estados Unidos, eu ganharia um Pulitzer por isso. Matei dois coelhos com uma cajadada só. Então J.J. significa...

— Jacó Júnior — Andréia disse por entre dentes e saiu da van.

No monitor víamos a cena no porão.

— Tão diferente... — Liana espantava-se. — O que fez com aquele nerd psicopata que conheci em Copacabana?!

— A medicina ortomoleculer é algo divino. Alguns cremes, pílulas, atividade física, tinta de cabelo... e lentes de contato. Roupas melhores também ajudam muito. Então temos o crème de la crème de tudo isso — Júnior fez gestos grandes com os braços como se alisasse um lençol no ar: — Jota, Jota!

— Jacó Fernando Antunes Júnior? — Liana perguntou.

— Odeio este nome. Se fosse apenas Jacó Antunes Júnior... Odeio Fernando.

— Tu é um pedófilo.

— O melhor da vida é iniciar os pequenos. Tente com os garotos de catorze, quinze — suspirou. — São os melhores.

Ele andou para o lado de Liana abrindo a camisa.

— Se afasta dela! — alguém gritou.

Júnior deu um passo para o lado e Andréia estava parada na escada com uma faca inox na mão. Veio lentamente para o lado dele.

— Muito boa a tua arapuca, delegado — ironizei.

— Eron, admito que estão havendo algumas falhas de isolamento, mas... Ei! Volta aqui! — ele gritou enquanto eu driblava três policiais e entrava na casa de J.J.

Rapidamente achei a porta do porão, desci lentamente, mas uma tábua rangeu. Foi o suficiente para todos olharem para mim, Júnior pegar a pistola no paletó e render Liana.

8

Tudo aconteceu muito rápido.

Logo que Júnior me agarrou, consegui dar uma cotovelada no olho dele, mas fiquei contra um canto. Andréia foi para cima dele com a faca e Eron se meteu no meio, os dois jogaram meu namorado longe, que caiu na cama.

Júnior e Andréia ficaram duelando com as barrigas encostadas e a pistola no meio.

Uma cena clássica.

A pistola disparou e eu só esperei J.J., Júnior, Jacó ou sei lá como ele gostaria que estivesse escrito na lápide, caísse morto. O problema é que o olhar vidrado estava em Andréia, que caiu.

Júnior virou-se para Eron e eu corri até o desgraçado.

— O meu namorado não, seu pervertido!

Tem vezes na vida que devemos deixar o ódio, a amargura e os instintos primitivos nos dominarem. Esse foi um desses momentos.

Corri com os dedos prontos para atacar e enfiei as unhas com tudo na cara de Júnior e abri a carne.

— Sua vaca!

— Vaca é a tua mãe! Isso é por ter me enganado — dei um tapa com as costas da mão na cara dele. — Isso é por ter tentado me seduzir de novo em outra mentira — bati do outro lado com um soco e ele caiu no chão gritando de dor e com as pernas abertas.

Pisei onde mais doía com todo o meu ódio.

— E isso é por todas as criancinhas que tu estuprou! Depravado!

— Chega, Lia, acabou, acabou! — Eron me abraçou.

Eu nunca soube se tremia mais de ódio e adrenalina ou se chorava pela minha amiga.

Jacó Fernando de blá-blá-blá foi preso e julgado em Fevereiro de 2014.

Condenado à pena máxima. Mas cortou o barato do seu advogado quando, ainda no tribunal, sugeriu que me processasse por tortura.

— Eu mereci — foi tudo o que disse.

Nunca mais o vi, mas soube que virou mulher do presídio. É o que eles fazem com quem abusa de criancinha. Nem os bandidos toleram coisas hediondas.

9

12 de Junho de 2014.

Lucas e eu fomos encontrar Liana e Larissa num restaurante em Botafogo.

Os dois estavam vivendo uma amizade colorida desde o ano-novo, mas ele sempre levava flores no túmulo de Andréia.

— Feliz Dia dos Namorados — disse, beijando Liana.

— Quem disse que amores virtuais não são reais, não acreditam em destino — ela disse.

— Eu ia te pedir em casamento hoje, mas acho que ainda não é a hora. Vamos nos curtir mais um pouco.

— Eron, temos uma vida inteira para casar, e um filho não mais motivo para as pessoas se casarem às pressas.

— Filho?! — Larissa, Lucas e eu nos assustamos.

Liana caiu na gargalhada.

— Safada — Larissa disse, rindo. — Ela nos pegou direitinho.

Logo depois do jantar, Liana e eu alteramos nosso status de relacionamento no Facebook de “em um relacionamento sério com” para “em uma união estável com”.

FIM.

Chegamos ao fim dessa saga romântica e um tanto sombria.

Prometo qualquer dia desses criar outro contão de três partes para vocês.

até...

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