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quinta-feira, 15 de agosto de 2013

[FEITO A MÃO] Pontes de Ironias, Parte I



Na primeira parte desta minissérie de contos que começa hoje, o foco não é em um ponto de ônibus, mas sim na força sobrenatural que o possui a ponto de influenciar o jovem universitário Renan desde sua infância. 
Este deseja que os eventos relacionados ao local possam parar, mas o que pode acontecer quando ele fecha seus olhos e não ter certeza se irá acordar outra vez do que parece ser um sonho sem fim? 

 Pontes de Ironias (I)
 

Ainda não sei por qual razão meus pais não me deixam logo ter um carro: estou honestamente em uma universidade, tenho dezoito anos e possuo umas noções de direção. O motivo pelo qual preciso ter um não é para aparecer bonito ou facilitar, de certa forma, o meu tempo – vejo muitos de meus colegas conseguindo os seus e andando por aí, seja nos shoppings, ou para suas casas ou para festas. Preocupo-me por causa disso: pontos de ônibus.
Ou melhor, não são os pontos de ônibus em si. Não acho problema nenhum com eles ou até os veículos. Mas sim o que acontece desde o momento em que meu pé pisa no chão deste aqui – o único próximo da minha casa –, fazendo-me sentir meus olhos cansados e experimentar uma sensação de dormência por todo meu corpo.
Poderia achar que é uma doença do sono se não acontecesse apenas no mesmo local. E justamente próximo das seis horas da manhã, quando o sol bate aqui por perto. Estas ocorrências vêm sido desde que tinha meus sete ou oito anos. Não sei por que elas ocorrem ou a razão de serem comigo. Ninguém me dá uma explicação que me ajude a resolver.
Por isso, continuo a adormecer só para me encontrar no inicio de uma ponte que cruza um imenso oceano. Algumas vezes, acho que me lembro de alguma pessoa me chamando pelo nome e dizendo ‘Que bom que você voltou, eu estava te esperando esse tempo todo’.
Não tenho tempo o suficiente de ficar nesse mundo dos sonhos tortos, pois sempre ouço uma segunda voz me acordando para poder me deparar com o número do meu ônibus no mundo real. E isso acontece toda vez, em um intervalo de três a sete minutos. Sendo assim, apenas encaro o ponto há três metros de meus tênis e penso em alguma alternativa.
Por mais que isso seja absurdamente inútil: todas as vezes em que dou meia volta para pegar carona ou para ir de táxi, sempre algum empecilho acontece no meio dão caminho ou algo sai errado (e acabo não indo), só para me forçar a escolher somente aquele ponto. Digo isto por tudo acontecer entre segunda e sexta, durante quase toda a minha vida, o bastante para se tornar oficial.
É quase como se alguma força desse local quisesse me monopolizar. Tal pensamento faz um frio passar da minha nuca até meus pés. Já li, em uma notícia de uma edição de um jornal que meu avô mantém em sua coleção, sobre a morte de um adolescente neste mesmo local que piso. Não há foto e tampouco lembro qual é o nome do rapaz, mesmo se eu me esforçar a lembrar. Além disso, aquela matéria se perdeu no sótão e não consegui mais achar.
Só me recordo que foi um incidente que ocorreu no dia do aniversário de vinte e dois anos dele. Parece que o que causou foi uma faísca de fogo que passou a incendiar a casa e o matando junto com algumas pessoas. Pelo que indica, talvez estejam enterrados aqui (ou provavelmente se mudaram pra outro lugar, eles sendo podres de rico). Pergunto-me se o cara poderia ter sido mais azarado que sou. Vai ver morreu sem querer? Tropeçou em algo pra acender?
— Eu não acredito nessas baboseiras. — falo firme, antes de o celular tocar.
Apanho-o e vejo quem está me ligando. É uma garota, de quem eu gosto muito, que é minha vizinha. Ela tem aqueles olhos bonitos e aquele sorriso de menina no rosto. Consigo ver uma foto dela no celular enquanto o telefone toca, antes que eu possa apertar um botão para atender a chamada.
— Luana? — pergunto, concentrado nos ruídos da outra linha mais do que os daqui. — Oi, oi...! Tudo bom contigo aí? — tem um silêncio me desconfortando.
— Ah, eu vou bem. — ela diz com sua voz suave, mas cansada. — E você?
— Hum... Vou legal. — respondo, passando confuso a mão pelos cabelos.
— Desculpa ligar do nada, — então, ouço ela rir. — é que estava preocupada.
— Pre... Preocupada? — eu me sinto nervoso. — Por quê? Que houve, Luana?
Posso a ouvir tentar dizer algumas sílabas e, então, tentar refazer sua fala.
— Só queria ver se você estava bem, Renan... — ela diz após uma pausa em um quase sussurro. — Tive um mal pressentimento de que algo acontecesse.
Pisco meus olhos umas três vezes e acho que vou ter que perfurar minha cabeça para ter alguma noção do que Luana está tentando me dizer. Não consigo entender. Pra que esse tom meio aflito?, eu penso, dando alguns passos e encarando meus próprios sapatos.
Também consigo me ouvir me espreguiçando um pouco e tenho a impressão do calor do Sol querer me descascar vivo. Tenho uma segunda sensação, a de correntes elétricas pelo meu corpo me dando impressões de que existem espinhas por baixo da minha pele. Isso aparenta ir se intensificando até, em um momento, parar e... céus, não sei o que está causando isto. Só que, próximo de meus pés, há uma espécie de sombra e... Meus olhos querem fechar.
Tento massagear os cantos do pescoço do nariz com a ponta dos dedos, quando meu corpo começa a agir estranho. Minha mente parecia estar imersa de ânsia, como me ordenasse a fazer algo. Quase caio ao não sentir mais força nos meus joelhos e, com dificuldade – e um pouco de concentração, a qual não sei de onde –, apoio-me pelas coxas e me ergo para me ver no ponto de ônibus e...
Abro minha boca e tento me apoiar na parede da parada. Espera!
— Mas você vai voltar bem para casa, — Luana fala despreocupada. — né?
Faço força. Muita força com o queixo, sentindo meus dentes rangerem enquanto concentro uma grande parte da minha vontade nas minhas pernas. É quase como se uma enorme pedra tivesse caído nas minhas costas e a minha única chance de sobreviver seja a de aguentar. Quase não consigo identificar as vozes, tanto a dela quanto das outras (as das pessoas que me olham com certa preocupação). Tento ignorar elas, fechando uma das pálpebras e me esforçando para sair de onde me encontro. Mal consigo respirar direito.
Vou até onde estão os barulhos altos. Provavelmente são carros. É possível que eu possa me meter no meio de um acidente, mas também não é impossível que meus pés só estejam voltando. Há luzes, diversas pequenas luzes nebulosas que piscam na minha frente. E, ao mesmo tempo, ouço o que parece ser o barulho do meu corpo transpassando um grande corpo de água. Só que não sinto meu corpo se molhar.
Meu ouvido dói. As pessoas devem estar gritando. Ouço o ruído de carros tocando forte a buzina. E também o disparar de algum... tiro. Mas não consigo ver nada, só sinto lágrimas saindo dos olhos antes mesmo da dor vir. E logo o mundo parece estar dançando, carregando meu corpo e me estremecendo. Assim que o sono finalmente me vence, meus olhos se fecham e vejo o escuro por muito, muito tempo.
Tudo é insensível para mim. Sinto o vazio por um tempo que parece ser a eternidade. E então, debaixo de minhas costas, tenho a impressão de que estou no meio de uma piscina com quantidades incontáveis de gelo. Pouco a pouco, sinto meu juízo se recuperar... Onde estou, afinal? O que aconteceu comigo? Tento abrir meus olhos, embora, quando os entreabro depois do que parece minutos, não vejo nada para ser visto.
Mas há goteiras, consigo escutar a uma certa distância. Viro ao meu redor e não encontro luz nenhuma. No entanto, parece que esse barulho está me fazendo doer cada vez mais e... Ugh. Cravo minhas mãos no tecido da blusa e sinto meus olhos arderem de dor. Meu peito, penso assim que tenho a impressão de meu coração estar sendo esmagado por uma mão. Minha pele parece querer pinicar no meio desse frio e minha garganta parece estar forçada, como eu acabasse de ter gemido ou gritado e eu não soubesse.
Fico assim (antes de uma convulsão violenta) por algum tempo, até não ter mais fôlego e tudo dar vazio em uma segunda vez. Exceto que, agora, sentindo minha cara caída em alguma superfície que faz cócegas no meu corpo, há uma atmosfera convidativa. E consigo ouvir o som de pássaros, junto com sons do que parecem ser maresias de ondas do mar. Há frio, mas há um vento que parece querer me abraçar. Ao notar a luz e esta se tornar nítida, distingo duas figuras agachadas comigo.

CONTINUA...
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