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A artista aspirante Daniela Araújo é convidada por um velho amigo a comparecer a uma pizzaria.
Na primeira parte, nós vimos o convite de João Vitor a Daniela, o receio dela quanto ao amigo dele, Guilherme, e também uma espiadinha em sua família composta pelo pai, mãe e os dois irmãos. Na segunda parte, ela se depara com duas inconveniências e temos visões de algumas das pessoas do ônibus onde ela estava. Na terceira parte, ela é 'resgatada' da chuva pelo trio Thiago, Inês e Guilherme. O que esperar da parte final? =)
CORRENDO DOS LOBOS - PARTE IV
Daniela,
Guilherme, Inês e Thiago tiveram um pequeno problema no caminho, um bueiro que
jorrava a água que subia do esgoto e que se juntava ao asfalto enchido pela
chuva. Guilherme usava um sapato que não era aberto, mas encarou o acúmulo e um
cone que foi posto ali, “Agora vamos ter que achar outro caminho”. Inês tinha
medo de dar um passo na poça enorme formada e fazer algum desastre, “Dá medo
com esse buraco”. Daniela apenas não queria passar, “Acho que cabe meu pé
inteiro até a canela”. Thiago viu o empecilho, virou a cabeça e deu uma olhada
na rua perpendicular e os outros o seguiram ao ver uma parte da rua onde estava
menos molhada. Passaram para o outro lado e contornaram o quarteirão.
— Mas, hein, Dani — continuou Thiago a
conversa que tiveram, as preocupações com seu pai ficando em segundo plano na
sua mente — Você fez
bem em não ter dado o que aquele homem queria. Tem um pessoal que não sabe o
que fazer.
— Olha — Inês parou de andar com
seus sapatos abertos e altos de gladiadora e encarou Daniela — Você pode combinar com
qualquer um de nós pra ir com você.
— Posso pedir pra meu pai
me pegar, não se preocupem —
disse a garota.
Ela
se achava agradecida pelas considerações, mas achava que poderia percorrer as
distâncias com a mesma proeza de suas pessoas. “Afinal”, ainda pensaria quando
visse a lua da janela de seu quarto e ao rememorar o pensamento, “a cidade é
como se fosse um espaço com lobos em bando e lobos solitários. Preciso aprender
a me acostumar”. Mas ao mesmo tempo sabia das preocupações genuínas e se
questionaria se não deveria manter o orgulho de lado.
— Não se mantenham muito
perto da rua — Thiago
alertou — Tô vendo
alguns carros indo um tanto mais velozes do que os outros. Fiquem mais pra cá.
— Você está parecendo
minha mãe, falando dessa maneira — riu-se Inês.
— Pronto, já estamos aqui no meio —
Guilherme declarou, ainda com o braço por baixo do que pertencia a Daniela —
Tranquilo agora?
— Só eu acho que ninguém
ia querer uma lavada na cara, mano — Thiago esclareceu.
— Ninguém vai levar — Guilherme ultrapassou os
outros dois e ficou na frente junto com Daniela — É só seguirmos nessa direção.
Os
quatro se viram diante das portas de vidro, seus reflexos meio transparentes no
meio de um ambiente iluminado. Daniela viu seu cabelo molhado e a bolsa pesava
com alguns pingos de água saindo, mal vendo a hora de ver a chuva terminar.
Inês e Thiago não se atentaram muito aos seus próprios detalhes, seus olhos
varando o espaço atrás de uma direção. Já Guilherme se enxergou ainda bastante
junto de Daniela, sentiu-se sem graça por perceber alguns olhares curiosos
lançados neles dois e se afastou.
Dois
garçons recepcionavam do lado de dentro. Famílias e amigos se reuniam dentro do
estabelecimento, alguns pra suas reuniões ocasionais e outros apenas para
engolir alguma comida gostosa. Outros funcionários, vestidos de aventais pretos
e o uniforme cinza e branco da empresa, iam entre as mesas dos dois andares da
pizzaria para apresentar sabores diferentes de pizza. E entre os clientes,
existia um trio de garotos que conversavam entre si e ao mesmo tempo entretidos
em outras conversas pelos seus celulares. Daniela os reconheceu como João
Vitor, um rapaz moreno e magricelo que tinha a camisa verde com listras negras,
e dois conhecidos deles, os quais ela tentou lembrar os nomes e não conseguiu.
— Boa noite — uma garçonete os atendeu,
quem estava conversando com o vigia do lugar — Vocês quatro estão juntos?
— Boa noite! E sim,
estamos — Inês disse,
séria sem querer se mostrar séria.
— Só que não romanticamente
falando, aí nenhum de nós está — Thiago abriu sorriso e então deu uma risada bem-humorada, a
garçonete retribuindo com um sorriso mal contido.
Guilherme
e Daniela se mantiveram em silêncio. Guilherme aliviado por não haver
comentários embaraçosos e Daniela por tentar pensar em alguma maneira de se
esquentar. Talvez, a misericórdia da chuva tenha sido a aparição de três amigos
seus para acompanharem ela, pois, de resto, ela ainda estava ensopada e
agradeceu mentalmente por estar de blusa vermelha e calça comprida. Daniela rememorou
as palavras de uma de suas avós, falando que “para toda utilidade, sempre
trazer roupas extras em uma bolsa e também algumas balas de menta pra casos de
emergência” e considerou que era uma opinião plausível, mas que em prática
seria talvez exagerado. A garçonete os entregou as “comandas” e eles entraram
no estabelecimento já sentindo o ar-condicionado.
— Aí cara —
João Vitor primeiro cumprimentou Thiago com um aceno de mão — achei que hoje você não
viria. Não havia aquela apresentação que vocês fariam na praça de alimentação
do seu bairro? E seu pai, como está?
— Ah, mano, é que nosso
baterista ficou doente. O bicho ficou com febre. Tivemos que remarcar para
outro dia. O velho está se recuperando, tomando remédios, está ficando melhor a
cada dia — os dois
bateram as mãos — Mas
aí, ficou quanto tempo esperando aí?
Ele
sentou na cadeira, antes de ajudar Inês e Daniela a se sentarem. Vendo a ação,
Guilherme não conseguiu reprimir um sorriso que poderia brotar um riso alegre. Era
comum que Thiago fizesse isso com as meninas, sem distinção. Um dos garotos,
chamado de Matheus, também sorriu e comentou “Que cavaleiro, hein”, também já
acostumado com a prática do amigo. Ele e Thiago, então, começaram a conversar
sobre a rotina enquanto um garçom com pedaços de pizza de calabresa vinha à
mesa. O outro garoto, Heitor, cumprimentou os quatro e voltou à sua conversa
com João Vitor sobre o jogo.
— Tudo bem — falou João Vitor,
assentindo a cabeça —
E como vão vocês, Inês, Daniella, Guilherme? Ô Inês, gostei bastante de seu
vestido, ficou bem em você —
sorriu, bastante satisfeito com a amiga.
— Obrigada — disse Inês em seu lado,
dando um abraço nele e dois beijos em cada bochecha — Eu precisava vir em minha melhor versão. E
eu vou bem.
— Eu vou indo bem também — pronunciou-se Guilherme — E ei, que horas são? Acho
que foi bom o horário ser na verdade oito horas da noite. O trânsito facilitou
em nada nossa ida até aqui.
— São vinte e sete — falou Thiago em uma voz
razoavelmente alta, depois de ligar a tela de seu celular e aparecer a foto de
seu companheiro canino com a língua de fora — Meio atrasados, mas aqui estamos nós — encarou seu prato,
naquele momento cheio com um farto pedaço.
— Está hora de uma foto — anunciou Inês com seus
olhos brilhando, o braço adentrando em sua bolsa de uma marca bastante
conhecida e puxando de lá uma câmera fotográfica — Eu bem poderia fazer uma selfie no meu celular, mas eu queria
pra guardar e depois imprimir. Será que algum dos funcionários topa tirar foto?
— seu olhar recaiu
entusiasmado sob uma mulher que estava arrumando e limpando as mesas das
pessoas que saíam do estabelecimento.
Quando
interrogada se queria um pedaço de calabresa, Daniela não aceitou por não se
achar em um estado de comê-lo. Guilherme, quem se sentou no seu lado da mesa,
também negou por não gostar de calabresa e por dar atenção à Daniela parecendo
desconfortável. Daniela estava se segurando o como podia de modo que não pudesse
preocupar os seus amigos na sua volta, mas, devido à “lavada” da chuva, tinha a
sensação térmica de muito, muito frio. Guilherme não fora o único a notar o
desconforto: João Vitor e Heitor, ambos fãs de Capitão América (tinham visto
todos os filmes até então e já se aprofundavam nas comics), iam falando com ela
sobre as pinturas quando observaram que ela tentava se cobrir o máximo que
podia com suas mãos pequenas. Uma sensação de desconforto começava a se
instalar na garganta dela, o que viria a ocasionar um resfriado horas depois.
— Daniela — Guilherme falou, o olhar
não escapando dela e o humor entre retrucar sobre quanto era idiota ela não
falar que não estava bem e o de não querer machucar os sentimentos da garota
mais ainda — você
está bem?
Olhos
escuros se encontraram com olhos claros. A mesa fazia silêncio.
— Só tô sentindo muito
frio — e tampou a mão
com a boca.
— Desculpa eu dizer isso,
mas isso tá bem na cara —
Matheus comentou e recebeu um olhar de cumplicidade de Inês e um de advertência
de João Vitor — Na
próxima, só não esquecer de levar uma bolsa maior e de um guarda-chuva também.
— Pode deixar que eu me
lembro — ela falou
com a voz baixa, mas não desanimada.
— Se não me engano — a mão de Guilherme
alcançou a própria bolsa que levara nas costas, uma que ele trazia consigo toda
vez quando ia sair —
eu devo ter um casaco de frio por aqui.
— Hum, o que você leva
mesmo nessa bolsa, Gui? —
quis saber João Vitor em ar brincalhão e contente por ver os dois amigos se
reaproximarem. Ele achou que levaria um pouco mais de tempo, devido aos
problemas de Guilherme com temperamento. O que, conhecendo a família dele, era
hereditário.
— Nada de interessante — retrucou ele, como Thiago
e Inês se uniram para debater o que havia dentro da bolsa, entre as
possibilidades sendo “pedaços de corpos” ou “um uniforme especial”.
Daniela,
por sua vez, ficou surpreendida pelo gesto amistoso entre ela e Guilherme,
sentindo-se grata pelos cuidados e pensando na visita que faria à avó no dia
seguinte. Já Guilherme direcionou um olhar para a lua, aliviado que não era a
lua cheia que, segundo suas crenças, poderia atrapalhar o que falaria com a
menina. Tudo terminou bem e todos foram contentes do estômago para casa.
FIM?
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Nota: Oi, aqui é a Lucie! Espero que tenham gostado de "Correndo dos lobos", meu novo filhotinho! Esclarecendo aqui a razão do título, eu estava ouvindo uma música da Aurora ("Running with the Wolfes") que me fez aleatoriamente escrever "Correndo dos lobos" e depois, pensando melhor no sentido da expressão (eu interpretei "Correndo com os lobos" como se arriscar dentro da sociedade), eu quis trocar, mas eu mantive o título original devido à Daniela tentar fugir de questões que são geradas por outras pessoas, ao mesmo tempo que ela as enfrenta. No sentido que ela se referiu aqui (imagino ela tendo gosto por expressões que usam a metáfora), ela também seria um "lobo". Lobos, entre suas características ressaltadas pela imaginação humana, são vigilantes. Há um segundo sentido que pode ser pensado da história curta, dependendo do que o leitor acreditar =) É isso aí e até o próximo texto!
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